2013/01/06

Memórias da Guerra Colonial / por Alfredo Maioto

Último Capítulo
O Turra


Levantamo-nos os três, e, como velhos amigos, indiferentes à meia dúzia de pessoas que la estavam, erguemos os copos e num ápice a cerveja sumiu-se. A garganta estava seca, precisava mesmo de ser regada, maning regada mesmo… As emoções estavam a ser fortes demais, como, aliás, sempre imaginei que fossem… Não podia ser doutra maneira, não podia porque a guerra estava sempre presente em mim como se num dia distante, sem precisar quando, a tivesse escrito no meu sangue… Depois as memorias. As memórias eram demasiado vivas para ficarem esquecidas no tempos… As memórias têm o condão de revivificar mas ao mesmo tempo corroem, matam…  
Depois as palavras soltaram-se. Cassamo vivia na área do Tofo numa casa humilde construída com esforço e tempo juntamente com a mulher e os 3 filhos. Era feliz na pequena machamba onde cultivava milho, feijão, batata… Não pensava muito na guerra porque sofreu muito, e o sofrimento não é coisa que se queira plantar… Chorou lagrimas pelos companheiros mortos pela guerra, passou momentos de desânimo e descrença. O mato era seu lar, mas nunca deixou de acreditar no seu ideal… Depois, quando a independência chegou, refugiou-se com a mulher na sua machamba no Tofo e não mais pegou numa arma.
Quem nos visse tagarelando e rindo daquele jeito diria que eramos amigos de longa data. Tatia tinha razão ao dizer no começo da nossa conversa: o que la vai la vai…
A tarde corria quente e rápida. Tatia olhou para o relogio, e soltou uma pergunta que me soou fria e ao mesmo tempo amarga:
- Vamos embora?
Levantamo-nos. Cassamo olhou para mim com aquele olhar de menino sossegado e perguntou:
- Voltamos a ver-nos? Eu gostaria muito.
Li em seus olhos a franqueza, e respondi que sim. So que da próxima vez não viria sozinho, viria com amigos meus que, como eu, lutaram em Moçambique e que de certeza adorariam conhece-lo. Abraçamo-nos num abraço prolongado e forte. E senti nesse instante o homem a sobrepor-se ao turra doutro tempo, quando colocava minas nas picadas e nos emboscava escondido atras das rochas e do capim… Afinal cumpria seu dever, assim como eu cumpria o meu. Desfez o abraço soltando um suave “boa sorte” e lentamente começou a afastar-se. De súbito, porém, a uns bons metros de distância, volta-se para trás, e pausadamente balbuciou:
- Antonio, na emboscada do dia 15 Agosto de 1972 perdeu o seu melhor amigo
- Sim
-  Eu perdi o meu único irmão. … E em passos pesados, corpo descaído devido a uma culpa que carregava há muito tempo e impossível de apagar, afastou-se…

Paredes Coura, 24/11 2012
Alfredo Maioto
  
Paredes Coura, 24/11 2012
Alfredo Maioto

  Changara, Ponte sobre o Rio Luenha

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