2015/12/21

UM BELO PRESENTE DE NATAL / POR ALFREDO MAIOTO



UM BELO PRESENTE DE NATAL.
De repente, saído do meio do silvado, apareceu à minha frente. Ao ver-me assustou-se e ficou a olhar para mim debatendo-se na angústia entre o fugir ou ficar. E então, magicamente, vi aqueles dois olhitos mais belos e doces que jamais irei esquecer! Que doces e suplicantes, meu Deus! Como nunca vi!
                 Olhámo-nos por segundos, tempo esse tao breve mas envolto em tamanha eloquência que me derreti por completo. Aproximei-me na tentativa de pegar nele, mas receoso logo se esgueirou para o meio das silvas donde proviera, e já deitado na erva, bem protegido, o focinho bem cosido contra o solo, ficou a mirar-me com aqueles olhos cor de leite. Desejoso que ele se aproximasse recuei o bastante para que notasse não correr perigo algum. Esta tática resultou porque aos poucos, patinha ante patinha, o dorso encolhido, sempre prudente, foi-se aproximando. Persuadido que o tinha conquistado voltei a abeirar-me dele, e de novo recuou. Difícil conquistá-lo.
                   Ah! Percebi o jogo! Eu andava para a frente, ele andava para trás; eu recuava, ele avançava. Divertido entrei no jogo, decidido, no entanto, a ganhar a parada. Aos poucos fui reparando, contudo, que já não fugia de mim com a impetuosidade inicial. Agora esquivava-se mais devagar, quase me desafiando a agarrá-lo para a seguir se escapulir de novo. Estava a gostar da brincadeira, eu também.
                   Analisei-o. Era todo negro, mas curioso! a parte inferior das patas da frente eram brancas, como que se alguém as tivesse pintado dessa cor por diversão. Um par de luvas original e encantador. A idade? Calculei a roçar os dois meses, os máximos dois meses e meio, resultado da experiência colhida na última ninhada da minha cadela Kamie. De repente ocorreu-me: onde estava a sua família? Onde andaria a mãe? Procurei no local e entre o silvado mas não encontrei ninguém. O meu amiguinho estava abandonado e só no mundo!
                   Compadecido e determinado a levá-lo comigo mudei a estratégia do jogo: sentei-me no chão alheado por completo da sua presença, mas olhando sempre de soslaio para ver a sua reação. No princípio pareceu estranhar, como que amuado com o final tão rápido da brincadeira, mas ao ver-me imóvel e sem sequer prestar-lhe a mínima atenção, perdeu o medo e muito sorrateira e vagarosamente, quase arrastando-se, foi-se aproximando de mim. Eu mantinha-me quieto e calado, mas ao mesmo tempo ansioso pelo desenlace e tao desejoso em afagá-lo nos meus braços. Pelo canto do olho vi claramente que ele se sentou a meu lado, mas fiz de conta e continuei abstrato como se não se passasse nada. Queria ganhar a sua confiança totalmente.
                     Depois, muito devagar, instintivamente, a minha mão direita foi ao seu encontro e tocou no seu focinho. Afaguei-o. Ele deixou e manteve-se sentado sem se esquivar ao meu contacto. O primeiro round estava ganho. Depois, entre o acarinhar do focinho e tê-lo no meu colo foram breves instantes. Pudera! Era isso mesmo o que malandreco queria. Espertalhão! Ele era lindo, lindo de enfeitiçar, dono duma ternura tão grande, e tanto me enfeitiçou que logo a seguir me levantei com ele nos braços. Ele, feliz, abanava a cauda, com o focinho afundado no meu braço e continuando a olhar para mim com aquele tal ar ternurento numa mistura de súplica e gratidão.
                    Imaginei tivesse fome, mas dar-lhe o quê? Não tinha nada comigo. De repente lembrei-me e, sem perda de tempo, fui ao carro e com as mãos cortei um naco do bolo-rei que minha mãe me incumbira de comprar. Ela me perdoaria por esfrangalhar o bolo, tinha a certeza, como também tinha a certeza que bolo-rei não é petisco para um cachorrinho de dois meses. Mas não seria melhor que nada? Só queria vê-lo feliz! Esmigalhei o bolo o mais que pude e ele absorveu rapidamente todas as migalhinhas depositadas na minha mão. Com a fome que tinha nem se queixou, e no fim ficou com aquele ar de cachorrinho feliz a pedir por mais. Conhecem esse ar?
                    Meu irmão já me tinha avisado: na próxima ninhada da minha cadela pastor alemã um seria para o filho, o Salvador, com 4 anos de idade irrequietos e reguilas, que toda vez que me via perguntava: ó tio, então o meu cachorrinho? Peguei no meu amiguinho de quatro patas e levei-o ao Silvério, meu amigo veterinário, para os cuidados primários e aproveitei para comprar um saco de ração Puppy. A seguir fui à loja da D. Etelvina, a florista da minha rua, pedir uma caixa e uma fita de embrulho vermelha, fiz uns furos para ele poder respirar facilmente e coloquei-o lá dentro como um belo presente. Quando entrei em casa e viram a caixa com o laço os meus sobrinhos logo perceberam que era uma prenda e, claro, perguntaram o que tinha dentro. Pisquei o olho ao meu irmão sempre receoso que o meu amiguinho se denunciasse. Se o fizesse a surpresa iria por água abaixo! Mas não, ele portou-se impecavelmente, mantendo-se quieto e caladinho. Minha mãe chamou para a mesa. Ninguém se mexeu, nem mesmo os graúdos. Curiosos, todos queriam ver o que estava dentro da caixa mágica. O Salvador, bruxinho, perguntou se a prenda era para ele. Meu irmão, percebendo a cena, acenou-me que sim com a cabeça, e eu então respondi ao meu sobrinho que sim. Eu próprio, deliciado com o êxtase escrito nos olhos das crianças e dos adultos, comecei a puxar a fita. Então misteriosamente da caixa, numa imitação barata do David Copperfield, saiu de orelhas caídas e assustadito, o meu amiguinho dos olhos mais doces do mundo.
                   Que Natal aquele! Foi uma algazarra dos diabos! O Salvador de imediato batizou o seu amiguito de “Negro”. Entendia-se porquê, tudo simples e espontâneo como só as crianças sabem! A casa, essa, virou do avesso com tamanha agitação. Claro que nessa noite a miudagem mal comeu e deitou-se tarde, disputando entre si o seu quinhão de brincar com o cachorrinho. Mas até os crescidos, não pensem que foi só a pequenada que queria pegar nele, não! Porque se enganam. Todos se derreteram com o cãozinho! E como resistir? Eu sorria, feliz e emocionado!
                  Aquele foi um Natal verdadeiramente inesquecível. E na hora de pôr na mesa o bolo-rei minha mãe olhou para mim e sorriu. Faltava lá um bom naco…
P. Coura, 17/12/2015

Alfredo Maioto

                    

2015/12/18

Histórias da Guerra Colonial - O Alferes por Alfredo Maioto

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DEDICADO AO JOSÉ MARQUES, FORÇA ATIVA NA SOLIDIFICAÇÃO DA FAMÍLIA 3352.

O ALFERES

Esperou pacientemente que formassem um círculo e depois ficou a olhar para cada um como se fosse a última vez. Sem saber com exatidão donde provinha essa ideia, mau presságio apenas, algo dentro dele o advertia do perigo de que algum dos trinta elementos do seu pelotão não regressasse vivo ao quartel. Porque a missão que tinham em mãos era perigosa, tinha consciência disso, e precisava colocar os seus subordinados a par das dificuldades que iriam enfrentar. Era seu dever.
            Lentamente passou a vista por cada soldado querendo com esse gesto, porventura, fixar o nome e o rosto bem no fundo da sua memória. Eram os soldados do seu pelotão que com ele tinham palmilhado aventuras várias e pisado juntos muito mato. Desta vez ele próprio, e não os furriéis, como era habitual, se incumbiu de passar revista para ter a certeza de que os subordinados estavam apetrechados da ração de combate para 3 dias, das cartucheiras, e ainda dos 2 cantis de água. Tudo em ordem.
                         Terminada a inspeção explicou então os objetivo que tinham em mãos. Os soldados ouviram atentamente e baixaram os olhos, apreensivos. A uma ordem sua todos, em simultâneo e sem proferir palavra, introduziram a bala na câmara. E o barulho frio da culatra a ser puxada atrás perturbou a manhã…
           Todos sabiam que os turras andavam pelos aldeamentos em ação psicológica. A confirmar esse boato o régulo da aldeia Takinde tinha vindo ao quartel relatar que eles dormiam lá todas as noites em busca de provisões. A missão do 1º pelotão consistia, assim, em ir a Takinde e abater os inimigos.
            Era véspera de Natal. Naquela manhã do dia 23 Dezembro, ainda com o sol estremunhado, já o 1º Pelotão saia do quartel em duas filas, metade dos homens no lado direito da picada e a outra metade no lado esquerdo, distanciados alguns metros uns dos outros. Caminhavam em silêncio, cabisbaixos, interrompido, aqui e ali, por algum pássaro madrugador. Era o silêncio macabro do perigo pairando no ar…
               O sol começava a espreitar, ameaçador. Depressa entraram na picada da Mosca do Sono, assim chamada porque em tempos existiu ali um posto de vacinação dos aldeões contra essa praga. As casas ainda se mantinham de pé, mas completamente abandonadas e envoltas em ervas. Como a picada era estreita todo o pelotão seguia em fila indiana.
         Takinde ficava, segundo o mapa, a cerca de 40 kilometros. Horas de caminho e muito suor também. O plano consistia em chegar ao destino ao final da tarde. Depois, ao amanhecer, seria o ataque-surpresa.       
                O calor era sufocante. Chegaram a Takinde por volta das cinco horas da tarde, camuflando-se de imediato entre os grandes arbustos e a imensa penedia existente na zona e posicionando-se num local proeminente a fim de poder controlar as entradas e saídas da povoação. Lá mais em baixo, a cerca de cem metros, Takinde permanecia silenciosa quase adormecida. Por gestos o comandante de pelotão transmitiu que iriam passar ali a noite à espera, e pediu que se espalhassem o mais possível pelo terreno. Takinde era uma pequena povoação composta por cerca de trinta palhotas apenas e quase todas elas encostadas umas às outras. Uma, por ser maior, diferenciava-se das demais, certamente a do régulo. O controle não seria difícil, mas a espera, essa, iria ser longa e penosa.
            Com seu canto os pássaros começavam a sacudir a noite numa sinfonia estridente. Depois, por fim, a escuridão chegou. Espantosamente, porém, na aldeia nem uma só fogueira se acendeu. O alferes achou estranho e começou a ficar preocupado. Teriam os turras sabido da vinda, ou até os próprios aldeões, e ter-se-iam refugiado no mato para evitar confrontos com a tropa?
            Ternamente refulgiam as estrelas e soprava um vento manso. Para o alferes, contudo, a noite estava escuríssima e triste. Como sua alma. Porque lá longe, no “Puto” distante, tinha a noiva à espera numa aldeia sossegada lá para a zona de Fundão. Ao lembrar-se dela involuntariamente estremeceu. Que estaria ela a fazer naquele exato momento em que o seu pelotão, escondido entre os arbustos, num pedaço qualquer da selva, vigiava uma aldeia onde os turras iam abastecer-se? Na escuridão o rosto dela brilhava mais intensamente que as próprias estrelas. O alferes olhou o firmamento esperançado em vê-la a luzir entre tantas estrelas cintilantes… Todos os dias ele escrevia-lhe um aerograma, mas naquela véspera de Natal não iria fazê-lo. E este pensamento caiu mais fundo… Para ele a guerra era um monstro impiedoso e disforme. Ao olhar para si mesmo apercebia-se bem da desumanidade aprendida nos dezoito meses de luta. Tinha mudado muito. Embrutecera, era o termo. Como todos, consequências da dureza do dia-a-dia.
           Logo ao lusco-fusco do amanhecer todo o pelotão se pôs em movimento. Lá em baixo, na aldeia, uma quietude de suspeitar. O alferes distribuiu seus homens em três secções: duas a cargo dos furriéis e a outra comandada por ele mesmo. Em minutos toda a povoação ficou cercada. Contudo, estava deserta! Nem um simples cão por lá andava. Embora desconfiado o alferes respirou de alívio. Assim não teria necessidade de lutar. Sorriu. E, num gesto instintivo, num daqueles momentos malucos mas inexplicáveis da guerra, o alferes mandou formar o pelotão no centro da aldeia. Os soldados estranharam, mas obedeceram rindo divertidos. Depois, mais estranho ainda, obedeceram à voz de comando e ficaram em sentido. Então a seguir o alferes Martins, os olhos brilhantes e a emoção sacudindo a alma, no corpo dançando uma alegria estranha, disse:
       - Tenho muito orgulho em vocês, 1º pelotão. - A voz tremeu, mas depressa se recompôs. E sem perder o fôlego, quase num grito a servir de desafio aos turras, erguendo os braços aos céus e o som da sua voz atroando mato fora: - Feliz Natal, malta!  

Alfredo Maioto 
P. Coura, 15/12/2015

2015/12/13

Memórias da Nossa Terra


Em 13 de Dezembro de 1959 o nº 1.345 do Jornal de Sintra publicava o seguinte da nossa terra


COLARES
 
DR. JOÃO BRANCO GUERREIRO
Julgamos interpretar o sentir de Colares em peso, ao virmos aqui congratular-nos com a eleição do Sr. Dr. João Branco Guerreiro para o cargo de vereador da Camara Municipal de Sintra.
Realmente, a acertada escoalha deixou a melhor impressão em toda a gente, pois o Sr. Dr. Guerreiro, que conhece profundamente a nossa região, que percorre diariamente no seu abnegado magistério, é um coração nobre e erudito investigador histórico, havendo tudo de bom a esperar da sua atuação.
Os nossos sinceros parabéns ao Sr. Dr. João Branco Guerreiro pela sua nomeação, à Camara de Sintra, que tão bem escolhe os seus colaboradores, e a Colares, em particular, por sair daqui alguém que já consideramos da nossa terra, para desempenhar tão honrosa missão.  
SPORT UNIÃO COLARENSE
Esta agremiação realizou no passado sábado, 5, um animado baile, cujo produto se destina à campanha de obras e foi abrilhantado pela Orquestra de Fernando Moreira. Foi anunciada a habitual festa do fim do ano entre os sócios do clube.
BANDA DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS
Também na Sociedade da Banda se têm realizado alguns bailes e anuncia-se para sábado, 19, uma animada noite de festa com uma bela orquestra e os acordeonistas Gracinha e Guilherme Raposo.
AS RUAS DE COLARES
As ruas de Colares estão agora bem arranjadas, faltando porém metade da Calçadinha. Oxalá não demore esta reparação, pois está intransitável.
Repórter Colarense