2010/04/21

A Guerra Colonial e os Colarenses

Faz hoje 39 anos, que eu, o Sousa, Caparica, Alexandre, Epifânio, Maioto, Sesimbra, Chico Trovoada, Negrelho, francês, Morais (Agencia Quintino e Morais), Nunes, Marques e muitos e muitos mais, embarcamos no velho Niassa rumo a Moçambique.
Foram 2 anos que marcaram para sempre as nossas vidas de uma forma que só nós entendemos.
O Maioto já nessa altura com um grande dote para a escrita, relata aqui com precisão o que foram os nossos primeiros e difíceis dias naquela longínqua terra.

MEMÓRIAS

Changara, 18 Junho 1971
Há precisamente trinta dias que me encontro nesta Changara de muitas palhotas e duas cantinas, de negros que passam os fins de semana tomados pela cachaça e pela marrebenta. Nesta manhã de Junho, de sol quente igual ao de todos os dias, as palavras chegam-me aos atropelos, irregulares, vindas do mais longínquo de mim mesmo.
Éramos quatro: eu, o Fonseca, o Marinho e o Alexandre. Deitados na cama, uma Manica ao lado para nos acompanhar, riamos às anedotas e conversávamos temas soltos. De repente o Alexandre deixa cair a cabeça para o lado e fica quieto e calado. Disse o Fonseca:
- Ó pá, deixa-te de fitas!
Mas não era fita, não! O Alexandre morreu assim de repente, ali mesmo à nossa frente, sem mais nem menos, sem um simples ai que fosse! De imediato foi chamado o médico da Companhia, que tratou da reanimação, mas em vão. O Alex estava mesmo morto! A noite foi fria, horrivelmente fria, mais enregeladora que o próprio cacimbo! Não dormi nada, e presumo que ninguém, chocado e atónito com o que acabava de acontecer. Não era possível. O Alex só tinha 22 anos, não podia morrer assim tão novo, não podia… Partiu sem uma despedida, sem um aceno, sem nada. Sem um aviso que fosse!
No dia seguinte a manhã nasceu cheirando a tristeza, e sobre o acampamento pairava um silêncio atroz, ainda a incredulidade estampada em todos os rostos e conversas.
Depois de almoço veio de Tete uma Berliet para levar o corpo, com quatro solados da Policia Militar a escoltá-lo. Em mim uma tristeza infinda. E, olhando alguns camaradas que choravam sem constrangimento, de repente dei comigo a pensar o que faço eu aqui nesta terra tão estranha e de horizontes tão negros.
A Berliet arranca lentamente com o caixão em cima. Muitos olhos cansados da noite não dormida e das lágrimas que se foram soltando. E, quando o Alex passava por mim, embora sabendo que ele estava morto, instintivamente levanto a mão numa última despedida. Não consigo evitar: uma lágrima cai… Na alma uma dor de matar!
O Alex é a nossa primeira baixa. Gostaria de pensar que será a última, mas duvido que assim seja. Afinal a nossa guerra ainda não começou… Sabemos que os “turras” andam pelos aldeamentos em acção psicológica, como nós, e mais cedo ou mais tarde a guerra vai rebentar…
Ele partiu. Sem uma palavra, sem um gesto. Até à vista, Alex!


Alfredo Maioto
O Alexandre (Alex) é o primeiro a contar do lado esquerdo

4 comentários:

Anónimo disse...

Vitalino, você continua a ser o mesmo de sempre, teima em não deixar cair no esquecimento aquilo que foi o flagelo da nossa geração.
Em mome de muitos
Obrigado
Veterano do Mucifal

Anónimo disse...

O meu pai foi um dos primeiros a ir para a Guiné quando a guerra rebentou.
Ele ficaria feliz por saber que há alguém que procura manter viva a menoria daqueles que tanto penaram.
Há muitos que procuram a todo custo apagar da nossa menória a porcaria que fizeram, mas a história acabará por repor a verdade. Pena é que esses ditos "Pavões" que pensam que são donos da verdade já estarão a fazer "Tijolo" (ainda bem).

Anónimo disse...

desde que existe este Bloq o Vitalino Cara Danjo nunca deixou de avivar as nossas menórias, e pelos que vemos tem bons colaboradores.A Susana é um espectáculo e o senhor Maioto tanbem sabe das coisas
Parabens a todos
José Salvador

Anónimo disse...

Dessa dita guerra que vocês tanto falam, pouco ou nada sei.Mas acho muito bonito falarem dessas coisas com tanto carinho, louvando os que já partiram.
Maria