2014/02/06

Amigo/Alfredo Maioto


AMIGO

A CANTINA DO CHALETA ERA UMA CASA CANSADA NA IDADE,
CHEIA DE RUGAS E PAREDES PINTADAS DE AZUL E VERDE GARRIDOS. 
A CANTINA DO CHALETA ERA O PEDAÇO DO MUNDO
ONDE LIMPÁVAMOS O PÓ DAS PICADAS
E AFOGÁVAMOS AS SAUDADES QUE NOS ATROFIAVAM OS SONHOS...
E VI-TE. ESTAVAS LÁ PERDIDO EM MEMORIAS MALÉFICAS,
DISFORMES, DAQUELAS MEMORIAS QUE NOS ENVELHECEM EM SEGUNDOS.   
NA MAO UM CIGARRO, E EM CIMA DA MESA, GASTA E DESCOLORIDA,
 UMA BAZUKA LAURENTINA QUASE VAZIA E UM COPO. 
LI EM TEU OLHAR UMA AUSÊNCIA FUNDA, CHEIA DE DESTROÇOS,
 A DOR ESCRITA NA RIGIDEZ DE TEU CORPO
E NA FRIEZA COM QUE SEGURAVAS O CIGARRO.    
FUI BUSCAR UMA BAZUCA E SENTEI-ME A TEU LADO, SEM NADA DIZER,
OLHANDO O CAMPO DE FUTEBOL ALI EM FRENTE
E A NOITE QUE CAIA INDIFERENTE COMO TODAS AS NOITES. 
TU, MEU AMIGO, TRESANDAVAS A PALAVRAS AZEDAS,
ATROZ MENTE AMARGAS,
DESSAS QUE NOS ENVENENAM A ALMA E CORROMPEM A FÉ.
MAS SUAVEMENTE, COMO O ESCORREGAR DA CERVEJA EM NÓS,
 AS PALAVRAS, GOTA A GOTA, COMEÇARAM A ESCORRER...
FALASTE PALAVRAS DE TODAS AS CORES E ORIGENS.
FALASTE RAIVAS, DECEPÇÕES, MAGOAS, DESESPERANÇAS,
FALASTE O PAI QUE NUNCA TIVESTE, A MÃE QUE TINHAS MAS QUE NÃO TINHAS,
A NAMORADA QUE AMAVAS, OS FILHOS QUE QUERIAS TER,
O AMANHA TAO CHEIO DE NEVOEIROS...
E EU OUVI, OUVI TUDO O QUE TE APETECEU DESFIAR
NAQUELA NOITE NA CANTINA DO CHALETA ONDE OS TURRAS
SE IAM ABASTECER, E ONDE OS PRETOS TROCAVAM FEIJÃO
POR CACHAÇA...
 E FALAMOS. E RIMOS FRASES QUE O LUAR ESCUTOU.
JÁ À ENTRADA DO QUARTEL O SENTINELA PERGUNTOU DO ESCURO:
- QUAL É A SENHA? TU RESPONDESTE:
- 6 BAZUKAS E 2 CHOURIÇOS ASSADOS!
E RISTE. EU RI TAMBÉM. E RISTE SEM PARAR. RISTE TODOS OS CANSAÇOS E RAIVAS
A CONTAMINAREM-TE O CORPO E O SANGUE
ACORDANDO TEU RISO ATE O CAPIM E A CORUJA.
RISTE A EMOÇÃO TAO LINDA DE QUEM VOLTA A SER FELIZ!
DEPOIS, JÁ DENTRO DO QUARTEL, VINDO DA EMOÇÃO,
DESTE-ME UM ABRAÇO. COM FORÇA. COMO SÓ QUEM PRECISA O FAZ! 
E, SEM NADA DIZER, NO SILENCIO MAIS ELOQUENTE QUE EU CONHEÇO,
TUA CABEÇA POUSOU NO MEU OMBRO, E LA FICOU. SEM TEMPO.
O TEMPO QUE QUIS. PORQUE O TEMPO NÃO EXISTE QUANDO A ALMA VOA!
E QUANDO FINALMENTE TE AFASTASTE
REPAREI QUE TEU CORPO PARECIA DANÇAR
MARREBENTAS EM PASSOS ÁGEIS, OMBROS LEVES
GESTOS FRESCOS...
A LUA OLHOU PARA MIM E SORRIU.
E SÓ ENTÃO REPAREI QUE A CAMISA DO MEU CAMUFLADO
ESTAVA MOLHADA NO OMBRO...

ALFREDO MAIOTO
   

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