A Importância da falta de um Natal na nossa vida
Decorria o ano do Senhor de 1972, era o dia 24 de Dezembro, que tinha amanhecido com um calor insuportável. Parecia que aquela terra africana ia pegar fogo.
Durante toda a manhã o rádio não tinha cessado sempre com a mesma mensagem,”Urano, Urano chama Lua, câmbio, estás aí Cara D’Anjo?”. Por fim lá resolvi atender, porque em principio já sabia o teor da mensagem: “Cara D’Anjo podias vir passar o Natal ao meu posto e de caminho passavas pelo Songo e trazias o Oliveira”. Em princípio recusei, alegando que eu e os meus Milícias éramos como uma família e tínhamos resolvido passar a consoada juntos.
Ao ouvir a conversa um dos meus Milícias, Januário Ali Face, homem já de uma certa idade sensata que todos respeitavam e pediam conselhos, ouvindo a conversa disse: “o nosso comandante vá nos entendemos, há tanto tempo que por cá anda também tem o direito de estar com os seus, faremos uma festa com todos no dia de Natal” e assim teria sido, não fosse a fatalidade que estaria próxima de acontecer.
Quase ao fim da tarde, quando me dirigia do Songo (Cabora Bassa) para um posto da margem norte do rio Zambeze aconteceu o imprevisível.
Após um incidente de guerra, os ferimentos eram muitos e bastante graves e a evacuação por helicóptero não era possível pelo tardio da hora. Apenas me lembro vagamente de ser transportado às costas de um dos Milícias que me acompanhava, depois o apagão foi completo.
Quando acordei, dei por mim num quarto onde tudo era muito estranho com duas enfermeiras impecavelmente vestidas. Consegui a muito custo balbuciar:
- Meu Deus, hoje é dia de Natal e eu apenas consigo mexer os olhos! - Ao que de seguida me responderam: “calma meu jovem o pior já passou, está no hospital civil da ZANGO, onde estamos a fazer tudo para que fique bom… mas hoje não é dia de Natal, mas sim Dia de Reis”.
Nessa altura o desespero tomou conta de mim, numa cama onde conseguia apenas falar e mexer os olhos, longe de tudo e todos, perdido naquela terra distante, a minha vida ficaria marcada para sempre com falta de um Natal.
Nessa altura um jovem também de Colares, que fazia abastecimentos no Songo para a sua companhia, tomou conhecimento que tinha havido um problema grave que envolvia um indivíduo de farda preta que se chamava ou tinha por alcunha “Cara D’Anjo”. O jovem Colarense teve um sobressalto e pensou meu Deus! Só pode ser o meu amigo Vitalino e ao confirmar a identidade, largou tudo e foi à sua procura.
Numa tarde, não sei quanto tempo tinha passado, apenas sei que o simples facto de me tentar mexer era um suplício, oiço uma voz à entrada do quarto dizer - “Anjinho (foi assim que passei a ser conhecido no hospital), tem uma visita sem ser um dos seus homens”. Impossível deve ser engano, mas ao ouvir aquela dizer: “ena pá Vitalino, como tu estás!”
Aquela voz era inconfundível, era o António Cruz mais conhecido pelo “peixe” da padaria do Mucifal. A sua visita foi como um antídoto para todos os meus males.
Só quem passou pela “Guerra Colonial” é que sabe dar o valor à amizade e às solidariedades.
A visita do António Cruz foi uma das melhores prendas de Natal que tive até hoje.
Durante toda a manhã o rádio não tinha cessado sempre com a mesma mensagem,”Urano, Urano chama Lua, câmbio, estás aí Cara D’Anjo?”. Por fim lá resolvi atender, porque em principio já sabia o teor da mensagem: “Cara D’Anjo podias vir passar o Natal ao meu posto e de caminho passavas pelo Songo e trazias o Oliveira”. Em princípio recusei, alegando que eu e os meus Milícias éramos como uma família e tínhamos resolvido passar a consoada juntos.
Ao ouvir a conversa um dos meus Milícias, Januário Ali Face, homem já de uma certa idade sensata que todos respeitavam e pediam conselhos, ouvindo a conversa disse: “o nosso comandante vá nos entendemos, há tanto tempo que por cá anda também tem o direito de estar com os seus, faremos uma festa com todos no dia de Natal” e assim teria sido, não fosse a fatalidade que estaria próxima de acontecer.
Quase ao fim da tarde, quando me dirigia do Songo (Cabora Bassa) para um posto da margem norte do rio Zambeze aconteceu o imprevisível.
Após um incidente de guerra, os ferimentos eram muitos e bastante graves e a evacuação por helicóptero não era possível pelo tardio da hora. Apenas me lembro vagamente de ser transportado às costas de um dos Milícias que me acompanhava, depois o apagão foi completo.
Quando acordei, dei por mim num quarto onde tudo era muito estranho com duas enfermeiras impecavelmente vestidas. Consegui a muito custo balbuciar:
- Meu Deus, hoje é dia de Natal e eu apenas consigo mexer os olhos! - Ao que de seguida me responderam: “calma meu jovem o pior já passou, está no hospital civil da ZANGO, onde estamos a fazer tudo para que fique bom… mas hoje não é dia de Natal, mas sim Dia de Reis”.
Nessa altura o desespero tomou conta de mim, numa cama onde conseguia apenas falar e mexer os olhos, longe de tudo e todos, perdido naquela terra distante, a minha vida ficaria marcada para sempre com falta de um Natal.
Nessa altura um jovem também de Colares, que fazia abastecimentos no Songo para a sua companhia, tomou conhecimento que tinha havido um problema grave que envolvia um indivíduo de farda preta que se chamava ou tinha por alcunha “Cara D’Anjo”. O jovem Colarense teve um sobressalto e pensou meu Deus! Só pode ser o meu amigo Vitalino e ao confirmar a identidade, largou tudo e foi à sua procura.
Numa tarde, não sei quanto tempo tinha passado, apenas sei que o simples facto de me tentar mexer era um suplício, oiço uma voz à entrada do quarto dizer - “Anjinho (foi assim que passei a ser conhecido no hospital), tem uma visita sem ser um dos seus homens”. Impossível deve ser engano, mas ao ouvir aquela dizer: “ena pá Vitalino, como tu estás!”
Aquela voz era inconfundível, era o António Cruz mais conhecido pelo “peixe” da padaria do Mucifal. A sua visita foi como um antídoto para todos os meus males.
Só quem passou pela “Guerra Colonial” é que sabe dar o valor à amizade e às solidariedades.
A visita do António Cruz foi uma das melhores prendas de Natal que tive até hoje.
5 comentários:
Quem havia de dizer que o Antonio Peixe e o sr. Vitalino tiveram uma passagem na guerra tão interessante.
Por essa altura também andei por lá e conhecia a existência dos tipos da farda preta. Era preciso ter muita coragem para ingressar nesse tipo de tropa. Era grupos de africanos comandados por brancos na defesa de Cabora Bassa, que chagavam a estar meses isolados sem contactos com outros brancos. Um grupo era praticamente composto por 20 a 30 Milícias Africanos tendo como comandante um branco apenas. Alguns desses postos avançados tinham alguma população e familiares dos próprios Milícias. Alguns desses postos avançados tinham apenas como meio de transporte o helicóptero. Cruzei-me com o Vitalino uma vez na Maroeira lembro-me como se fosse hoje, não sei se ele se recorda, eu era o Santos de Mutarara, falamos um bom bocado e bebemos umas Maniquinhas. Nunca soube que ele tinha tido problemas.
Amigo Vitalino sigo o vosso Blog de longe e desejo-te boas festas.
Um dia vou visitar-te.
Pedro Santos
O Caro anómimo acha que foi interessante a passagem pela guerra do António Peixe e do Vitalino?
Livra que você é sádico no minimo
Joca
Um grande, grande abraço pelo Natal que faltou na sua vida e por outros Natais bem mais felizes que vieram a seguir e por outros que virão ainda a caminho!
Quem é bom e amigo do seu amigo, vai tendo recompensas ao longo da sua vida.
Ana Paula.
Alguém conte ao 1º Anónimo o que foi a Guerra Colonial...
Muitas histórias muito dramáticas estão por contar e, era bom que fossem conhecidas das novas gerações !
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