2014/11/07

Desabafos de Um Veterano da Guerra Colonial


OS NOVOS TURRAS.

Chegam engalanados no mais vistoso fato Dior e nos pés o mais requintado modelo Gucci. No rosto, beatificamente seráfico, e com uma vasta camada de botox para encobrir ainda mais o farisaísmo da pose, exibem o sorriso mais teatral possível milhares de vezes ensaiado diante do espelho e maquilhado pelo seu gestor de imagem. Os gestos são comedidos e estudados ao pormenor, as frases decoradas com persistência e tempo. São os novos turras!
Mas os novos turras em nada se comparam com os da minha guerra, quando, G3 na mão, coberto de poeira e dormindo no chão frio, coberto o corpo apenas por um poncho frio, enfrentei emboscadas e estremeci ao rebentamento das minas. Não!
Estes novos turras, cultos, modernos, artistas nascidos para a ribalta, olhos macios de mocho, chegam ao pormenor de marcar uma conferência para determinada hora, todos os canais de televisão são convidados a comparecer, e, com a maior das canduras, quais putos reguilas a mascarem uma chiclete, dizem onde, quando e como vão atacar. Cínicos! E atacam! Suas armas são mortíferas. E disparam. Uma vez, muitas vezes, quantas forem necessárias. As vítimas foram previamente selecionadas! Por vezes disparam tiro a tiro, outras em rajadas curtas mas sempre incisivas. Ferem e matam, e depois, dissimulando a sua perversão com palavras de comediantes predestinados, afastam-se sem respostas mantendo sempre aquele ar de meninos traquinas brincando jogos de guerra…
Preferencialmente as balas são dirigidas para quem não pode ter arma alguma em suas mãos, os indefesos, aqueles que protestam mas depressa ficam roucos com tanta indignação. E aqueles que dispõem de armas também poderosas, mantêm-se incólumes sem a mais ínfima chamuscadela… Com esses os novos turras não querem nada! Só os outros, aqueles que não têm poder, exceto a palavra e o protesto, para a aquisição de armas para poder combate-los…
Quando emboscam os novos turras, sempre de fato e gravata, óculos de sol, resplandecentes, unhas bem cuidadas e envernizadas, possuidores de armas modernas e super-potentes, nunca voltam à base sem deixar estendidos no chão alguns feridos. São de uma eficácia sensacional!
Curiosamente estes novos turras, fruto das modernidades e do progresso também, já não se limitam a emboscar em terra. Não! Recentemente adquiriram submarinos comprados a amigos de amigos para que os seus ataques sejam mais eficazes! A sua guerra adquire dimensão internacional com escritório em Bruxelas. Depois, num pormenor de superioridade e de classe, todos eles operam sempre com luvas, requintadas, ajustadas ao seu currículo, umas luvas grossas e bem quentes que os vão proteger das frieiras do Inverno…
Porque a guerra subversiva assim o exige, e apenas por obrigação, eles andam de terra em terra em ação psicológica distribuindo beijos de conveniência e abraços dissimuladamente amistosos, bem encharcados no melhor perfume. Precisam de alvos, e sem alvos sua existência não teria sentido.
No meu tempo os turras envergavam um camuflado sujo e gasto, e vagueavam pelo mato a pé e calçando botas semi-gastas ou até rotas. Hoje não. Fruto dos tempos, estes novos turras movimentam-se pelo país em carros de altíssima cilindrada e com motorista particular. O carro custou vários milhares de euros, facto sem relevância, porque afinal o dinheiro não lhes saiu do bolso. E, chegados ao destino, acenam com aquele toque tao peculiar neles. E, no bolso da camisa, sempre à mão, discretamente escondido, o cartão de crédito que lhes confere livre trânsito para todos os gastos pessoais e familiares… Comem, bebem, vestem-se, têm um carro que é deles embora pertencendo aos outros, não pagam renda, nem água, nem luz, que mais precisam eles? Assim o salário é imaculadamente forradinho. Mas depois, nas televisões, bradam bem alto da necessidade de reduzir os custos – mas eles, os eleitos, os Iluminados, continuam a gastar a regabofes sem controle algum.
Apenas como proteção de todo seu arsenal de guerra, mandaram construir um “Banker” onde guardam seus bens pessoais, de seus familiares e até de amigos mais chegados. Assim têm a certeza que, quando se reformarem aos 50 anos, justamente no apogeu de sua enorme sabedoria, já têm um local onde se refugiar e gozar o seu quinhão… Falam muito, adoram falar e serem vistos em todos os canais de televisão a todos os segundos. Garbosos, altivos, simplesmente únicos!
Como são dotados de elevadíssima eloquência falam muito mas sempre ( oh! candura das canduras! ) sempre com o mais angelical sorriso espraiado nos lábios. Sublimes!
Até os sub-comandantes, rapazinhos gerados na última fornada da Universidade, o canudo ainda fumegante, gostam de exibir-se como os mestres fazem, soltando bacoradas a rodos. A escola é a mesma. Afinal, todos descarregados do mesmo ventre!
Não confio, nunca confiei, em pessoas de sorrisos angelicalmente maquiavélicos. Como os deles. Preferia os turras do meu tempo, que nunca vi, é certo, mas pelo menos tinha a certeza que, quando disparavam, da sua arma não saiam sorrisos amarelecidos e demoníacos…O tiro deles não era tão traiçoeiro!
 Francamente, eu detesto estes novos turras!

Alfredo Maioto

Porto, 29/10/2014


4 comentários:

Anónimo disse...

Ai, Ai, alguém não vai gostar de ler isto, mas eu adorei.
João P.M.

Anónimo disse...

Possivelmente estas palavras causarão náuseas a certas pessoas mas paciência temos pena. Quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. Tenho quase a certeza que todos os veteranos irão adorar, embora eu felizmente não seja desse tempo.
Rui Paulo Soares

Anónimo disse...

Pois é amigo, a história repete-se, as achegas também, mas como dar a volta ao sistema? O Eça, o Pessoa e centenas de outros, cada um ao seu estilo denunciavam os seus turras e acabaram por criar um ser providencial que nos silenciou durante 38 anos. Jamais quero ir por aí. Hoje a minha G3 é o meu voto de alerta contra este sistema de turras e arregimentados.

Anónimo disse...

Bravo, ao menos que haja alguém com coragem de dizer verdades, num povo de brandos costumes Sadomasoquismo, que leva porrada que se farta mas cai sempre na mesma burrice.